ÓLEO NO NORDESTE: A HISTÓRIA DO NAVIO ALEMÃO ABATIDO NO LITORAL BRASILEIRO

Pesquisadores avaliam hipótese de que o óleo na costa do Nordeste possa ter vindo de um naufrágio alemão da Segunda Guerra Mundial
Manchas de óleo chegam em Sergipe Foto: Márcio Garcez / Agência O Globo
Manchas de óleo chegam em Sergipe Foto: Márcio Garcez / Agência O Globo
Um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), avalia a hipótese de que o óleo espalhado na costa do Nordeste possa ter relação com um naufrágio alemão da Segunda Guerra Mundial. Trata-se da embarcação SS Rio Grande, que afundou em janeiro de 1944 no Atlântico Sul.
Construído em 1939, o Rio Grande era um navio civil que tentava transportar carregamentos durante o maior conflito da história. Utilizando um nome latino-americano para fugir das frotas Aliadas, que caçavam navios alemães nas águas do Oceano Atlântico, a embarcação havia saído do Recife no dia 2 de janeiro. Para isso, tentara fugir de um bloqueio naval imposto pela Marinha dos Estados Unidos.


Carregava 500 toneladas de lata, 2.370 toneladas de cobre, 311 toneladas de cobalto e uma quantidade não especificada de borracha crua embalada.
Apesar da tentativa de fuga, o SS Rio Grande foi avistado pelo cruzador USS Omaha e o contratorpedeiro USS Jouett. As embarcações americanas tentaram estabelecer contato com o barco não identificado quando ele estava entre a cidade de Natal  e a Ilha da Ascensão.
O USS Jouett, um dos navios que abatou o SS Rio Grande Foto: Comando de História e Herança Naval dos EUA
O USS Jouett, um dos navios que abatou o SS Rio Grande Foto: Comando de História e Herança Naval dos EUA
Sem resposta, os navios americanos abriram fogo contra a embarcação misteriosa, que afundou. Ao fazerem um reconhecimento na área, os tripulantes do Omaha e do Jouett identificaram alguns sobreviventes, que não tentaram resgatar.
No dia seguinte, a embarcação Marblehead voltou ao local e conseguiu resgatar 72 pessoas. Depois, as equipes locais conseguiram identificar com certeza o navio: era o Rio Grande, que seguia rumo ao Norte e vinha do Oriente.

O relato do naufrágio do Rio Grande está disponível no portal Sixtant, que reúne informações sobre as embarcações da Segunda Guerra Mundial no Atlântico Sul e é comandado pelo capitão Ozires Moraes. O episódio também consta no perfil do USS Omaha nos registros do Comando de História e Herança Naval dos Estados Unidos.
O USS Omaha no porto de Nova York Foto: Comando de História e Herança Naval dos EUA
O USS Omaha no porto de Nova York Foto: Comando de História e Herança Naval dos EUA
A chegada até o SS Rio Grande se deu por meio da modelagem para traçar a possível origem do óleo nas praias do Nordeste. Usando modelos para analisar o comportamento do líquido no Oceano de acordo com as correntes marítimas, os pesquisadores da UFC chegaram a uma série de naufrágios, entre eles o da embarcação alemã.


ORIGEM DO ÓLEO

A equipe da UFC se voltou originalmente para a embarcação como uma das possíveis origens do óleo que afeta as praias do Nordeste porque as manchas são compatíveis com vazamentos de cascos de navios afundado há muito tempo.
Eles dizem, porém, que uma confirmação só pode acontecer após a datação da idade do óleo, que está sendo conduzida nos Estados Unidos. As amostras foram enviadas para o Instituto de Oceanografia de Woods Hole (WHOI, na sigla em inglês).
"Ainda não é possível afirmar, como se tem dito por aí, que se trata de uma mancha nova. Afinal de contas, é óleo in natura ou combustível? Precisamos aguardar as amostras do laboratório serem analisadas, só assim saberemos exatamente do que se trata", explicou o professor Rivelino Cavalcante, químico que integra o Labomar. Para ele, essa é uma peça do quebra-cabeça que ainda precisa ser explicada.

Se ele for recente, a hipótese será descartada. Uma nota extraoficial da Petrobras aponta que esse deve ser o caso.
Apesar do trabalho de equipes do Brasil e do exterior, ainda não se sabe com certeza de onde o vazamento pode ter surgido. Dezenas de embarcações estão sendo investigadas como possível ponto de origem.
Mancha de petróleo chega a Piaçabuçu, na foz do Rio São Francisco, em Alagoas, aftando a vida marinha Foto: Agência O Globo
Mancha de petróleo chega a Piaçabuçu, na foz do Rio São Francisco, em Alagoas, aftando a vida marinha Foto: Agência O Globo
Uma das correntes mais fortes é a de que o petróleo poderia ter origem na Venezuela, conforme apontado em um relatório interno da Petrobras e do Ibama.

CENTENAS DE LOCAIS AFETADOS

Ainda que sua origem seja desconhecida, o petróleo já afetou centenas de locais na costa brasileira. Até o momento, 63 municípios de 9 estados registraram a presença do líquido, que afeta profundamente o ecossistema marítimo, sua fauna e flora.
Segundo o Ibama, 139 localidades entre o Maranhão e a Bahia foram afetadas, com apenas uma fração delas tendo iniciado trabalho de limpeza.

CAIXAS MISTERIOSAS

Se ainda não é possível confirmar a origem do petróleo que aflige o litoral brasileiro, a equipe pode fazer uma descoberta envolvendo o SS Rio Grande. A embarcação alemã é a provável origem de uma série de caixas que apareceram no litoral da região no final do ano passado e foram identificadas como fardos de borracha.
Surgidas em dezenas de praias do litoral cearense e alagoano em novembro de 2018, os fardos pesavam 100 quilos cada uma e assustaram os moradores da região. Eram caixas de cor preta que demonstravam claro sinal de erosão.
Segundo os pesquisadores da UFC, algumas delas traziam etiquetas mostrando que vinham da Indochina francesa, região que hoje está dividida entre China, Camboja, Laos e Vietnã. Por se tratar de uma colônia que só existiu até os anos 1950 — e que perdeu território progressivamente após o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945 —, os pesquisadores puderam saber que o carregamento necessariamente fazia parte de uma embarcação anterior a esse momento.
"Nós entramos em contato com as pessoas que descobriram o ponto do naufrágio do Rio Grande e, nas fotos, aparecem esses fardos com as inscrições da Indochina. Foi assim que conseguimos ter uma idéia.